terça-feira, 5 de maio de 2009

Programas de computador farão o trabalho braçal do tradutor

A tradução automática, feita por computador, foi criada pelos americanos nos anos 50 para espionar os russos durante a Guerra Fria. Na época, ela se baseava na gramática e na análise das frases. A tentativa de criar versões em outros idiomas fornecia uma versão tosca do texto. Muitas frases, traduzidas literalmente, ficavam sem sentido. Uma expressão inglesa como “out of the blue” acabava traduzida como “fora do azul” – quando quer dizer “inesperadamente”. Ninguém levava a tradução automática muito a sério. Essa situação perdurou por décadas. Nos últimos anos, os programas de tradução deram um salto. Hoje, eles combinam a gramática com a matemática. Ela analisa a forma mais comum de traduzir uma palavra ou expressão e, consultando um banco de dados, consegue oferecer um resultado mais próximo de uma versão profissional.
O tradutor automático mais popular do mundo é o Google Translate. Graças à contribuição dos próprios internautas, ele consegue manter um processo de aperfeiçoamento contínuo. No final das traduções, há um link para “sugira uma tradução melhor”. Com isso, o Google aumenta seu banco de dados de palavras e expressões – e a qualidade das novas traduções. Ele se tornou uma ferramenta até razoável para quem quer ter uma ideia do conteúdo de uma frase ou de um texto pequeno. Mas está longe de satisfazer às necessidades geradas pelo mundo globalizado.
Enquanto um médico escreve um artigo científico na Alemanha, uma empresa finlandesa lança seu novo celular na Argentina e uma montadora japonesa prepara o lançamento de um carro nos Estados Unidos. Produtos locais passaram a ser encontrados em qualquer lugar. A maior velocidade de lançamento obriga a uma distribuição global rápida. O artigo científico do médico alemão será traduzido pelo menos para inglês, mas possivelmente também para outros idiomas. O celular da empresa finlandesa – fabricado na China – chegará a dezenas de países com os manuais de instruções devidamente traduzidos e adaptados. Não basta usar o espanhol falado na Espanha num manual argentino. É preciso adaptá-lo à forma de falar local. O carro japonês que rodar nos EUA terá seu velocímetro em milhas por hora, unidade de medida adotada no país. Todos esses produtos já foram ou serão traduzidos e adaptados. São textos, manuais de instruções, contratos de negócios, vídeos institucionais.
Está aí, hoje, a maior fatia do mercado de traduções, estimado em algo como US$ 15 bilhões. No último trimestre do ano passado, mesmo com o início da crise econômica, ele cresceu 85% em relação ao mesmo período do ano anterior. A expectativa para 2012 é que esse mercado atinja US$ 25 bilhões. “O custo de dar às pessoas uma informação em sua língua local é baixo em relação ao retorno que as empresas têm com os produtos”, diz Renato Beninatto, executivo da Common Sense Advisory, empresa independente que analisa o mercado de traduções.
“O custo de dar às pessoas uma informação em sua língua local é baixo em relação ao retorno que as empresas têm com a venda de seus produtos” RENATO BENINATTO, executivo da Common Sense Advisory
Para atender à demanda, o trabalho das empresas de tradução precisou se modernizar. E a tecnologia foi essencial para isso. Os profissionais da área já não fazem todo o trabalho bruto, palavra a palavra. Com programas que aprendem termos e frases completas – como Trados, Deja Vu e Word Fast – ou com ferramentas e bancos de dados on-line, eles têm atuado como revisores e editores do material produzido automaticamente. Esses programas criam um grande banco de dados, capaz de reconhecer se um trecho igual foi traduzido antes. “Para a literatura técnica, o uso dessas ferramentas é indicado por reduzir o tempo de execução, padronizar os termos adotados, aumentar o glossário para tradução, melhorar o controle de qualidade e reduzir custos”, afirma Thiana Donato, fundadora e diretora da brasileira All Tasks. Alguém que traduza uma média de 3.500 palavras por dia pode dobrar sua produtividade se usar um programa especial para tradução. A All Tasks, que já realizou trabalhos até para a Nasa e agora aposta na internacionalização, prevê faturar até R$ 7 milhões neste ano.
“O principal desafio no Brasil hoje é encontrar mão de obra qualificada. Em 120 testes que fizemos no ano passado, aprovamos menos de 10% das pessoas”, afirma Sávio Levi, diretor de operações da Lionbridge no Brasil, uma das maiores empresas do setor no mundo, com faturamento superior a US$ 400 milhões. Para minimizar o problema, as empresas têm feito parcerias com universidades e centros de ensino para qualificar os tradutores recém-formados para o uso de programas no trabalho diário.
Algumas grandes empresas, como IBM, Philips, Siemens e GE, têm departamentos para cuidar da tradução de seus manuais e documentos. A IBM criou seu próprio programa de banco de dados de palavras e o oferece a tradutores parceiros e algumas universidades. “Nosso trabalho é simultâneo ao desenvolvimento dos novos produtos. Quando o processo termina, fazemos uma verificação linguística do documento”, afirma Almiro Andrade Júnior, gerente da área da IBM que cuida das traduções. No ano passado, a empresa traduziu 160 milhões de palavras.
Para o futuro, os tradutores deverão usar cada vez mais programas de banco de dados de palavras e expressões, que farão praticamente todo o trabalho braçal. Caberá a eles checar e aprovar a versão feita automaticamente. Os profissionais poderão se dedicar, portanto, mais a trabalhos únicos, de teor estético, como versões de obras literárias – algo que, até hoje, nenhum programa de computador é capaz de fazer.
Revista Época 30.04.2009