Entre um chope no Bracarense, no Leblon, e o vôlei de praia em Ipanema, o carioca Sérgio Xavier sempre rezou pela cartilha da esquerda. Com parentes perseguidos pela ditadura militar, dedicou-se ao movimento sindical, à construção do PT no Rio de Janeiro e abraçou causas sociais, como a campanha contra a fome liderada por Hebert de Souza, o Betinho. Aos 42 anos, formado em comunicação social, resolveu arriscar uma virada na vida. A oportunidade surgiu num jantar oferecido pelo então presidente do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, a mais de 100 ONGs internacionais, durante a ECO-92, a conferência sobre meio ambiente. Ofereceu-se para traduzir o discurso do então sempre candidato da legenda ao Palácio do Planalto. Lula gostou do resultado e, dois anos depois, levou o intérprete para um encontro com o líder africano Nelson Mandela. Hoje, Xavier é o intérprete oficial da Presidência da República. A rotina carioca do chopevôlei deu lugar a uma agenda repleta de compromissos oficiais e coquetéis com chefes de Estado.
A bordo do Aerolula, Xavier conheceu mais países do que poderia sonhar e passou a conviver com líderes mundiais. Em maio, durante a reunião do G-20 em Londres, seu rosto ganhou as manchetes quando o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, chamou Lula de "o cara". Coube a ele traduzir a gíria americana. Na semana passada, acompanhou o giro presidencial pela Suíça, Rússia e Casaquistão. Na reunião dos BRICs, além dos encontros pessoais, teve o desafio de fazer traduções simultâneas de cabine, do inglês para o português. Com a relevância da função, vem o assédio. Ao servir de boca e ouvidos do presidente Lula mundo afora, inclusive nas conversas particulares com autoridades estrangeiras, Xavier se tornou o interlocutor mais cobiçado de Brasília por assessores, ministros e jornalistas. Todos tentam arrancar do tradutor algum segredo de Estado. Mas, sempre discreto e fiel aos princípios da profissão, ele apenas sorri e desconversa. Quando pressionado, cala-se.
O assunto é tabu, mas é quase certo que Xavier tenha assinado um termo de confidencialidade com a Presidência, já que não está sujeito ao sigilo funcional de um servidor público. "Acredito que o Sérgio tenha assinado um contrato que exige o sigilo", afirma Elizabeth Thompson, presidente do Sindicato Nacional dos Tradutores (Sintra), do qual Xavier já foi vice-presidente. Com ou sem contrato, Lula confia cegamente nele, afinal são 17 anos de amizade. Os dois compartilham também as convicções políticas. Xavier é militante do PT e por dez anos fez trabalho voluntário de tradução para o partido. Em 2006, doou R$ 7 mil para a campanha de Jaques Wagner ao governo da Bahia, cuja família é do Rio.
Apesar do engajamento político, Xavier defende a ideia de que o intérprete seja "neutro para inspirar confiabilidade". Um mandamento nem sempre cumprido. "Num regime de esquerda, seja em países orientais, seja em ocidentais, o intérprete oficial faz certas censuras, ou poderíamos dizer aparos, durante seu trabalho", explicou, numa rara entrevista concedida à colega Tereza Braga, da American Translator Association (ATA), em 2004. O conhecimento profundo do sindicalismo ajuda Xavier a traduzir expressões como "rank and file", termo para designar a massa dos trabalhadores, a base abaixo dos dirigentes sindicais e dos líderes políticos. Em 2003, ele coordenou uma equipe de 120 intérpretes no Fórum Social Mundial de Porto Alegre. Aos 59 anos, que completa agora em julho, costuma comentar com amigos que um dos pontos altos de seu currículo foi ter trabalhado com Betinho no Ibase.
Durante quase uma década Xavier não cobrou por seus trabalhos. Só passou a faturar quando Lula chegou à Presidência. De 2004 a 2009, recebeu R$ 335 mil da Presidência, segundo dados da Controladoria Geral da União. Por meio de sua empresa, a Global Multilíngue, também convoca intérpretes para ajudar com outros idiomas. No caso das traduções de francês e espanhol, chama o consultor legislativo Lucio Reiner. Quando o idioma é o russo, entra em cena Luiz Carlos Prestes Filho. Um dos filhos do Cavaleiro da Esperança, Prestinho, como é conhecido, presenciou os encontros de Lula com Vladimir Putin. E na semana passada acompanhou o presidente Lula no encontro dos BRICs em Ecaterimburgo e na visita ao Casaquistão.
"Minha maior alegria é ser o que alguns colegas chamam de 'a voz do Brasil' ou 'dublê', como me qualificou o presidente ao me apresentar num evento nos EUA", disse Xavier à ATA. A principal dificuldade de sua função, segundo ele, é romper as barreiras dos seguranças para ter acesso a Lula durante eventos internacionais. Vez ou outra, o próprio presidente intervém para impedir que ele seja barrado. A tradutora Liane Lazoski, que começou a carreira fazendo eventos empresariais ao lado de Xavier, diz que o amigo "é extremamente metódico e disciplinado". "Ele está num posto almejado por todos. Mas também tem uma responsabilidade sem igual. Acho dificílimo fazer o que ele faz", diz Liane.
Um dos maiores desafios é ser fiel às expressões e piadas usadas por Lula. No primeiro encontro que teve com Barack Obama, na Casa Branca, em março, o presidente disse que o americano tinha um "pepino" nas mãos, ao assumir os EUA em plena recessão. Xavier não encontrou no inglês algo similar à expressão brasileira. Disse apenas que Lula"não queria estar na sua posição".
Na visita a Windhoek, na Namíbia, em 2003, o presidente declarou que quem chegava à cidade nem parecia que estava na África porque "poucas cidades do mundo eram tão limpas, tão bonitas". O intérprete omitiu a palavra "limpa", que poderia ser entendida como uma ofensa ao continente.
Embora a imprensa brasileira tenha destacado a gafe de Lula, naquele momento, diante das autoridades do país, Xavier mostrou que seu papel, hoje, é muito mais importante do que aparenta. É, às vezes, diplomático.
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