(...)As ideias acerca da magia desses instantes fundadores se impõem a partir da leitura do argentino Juan Gelman, um dos mais importantes poetas contemporâneos da língua espanhola. Nascido em Buenos Aires, em 1930, Gelman inexplicavelmente é nome nem tão familiar junto ao leitor brasileiro. O que é uma pena. Sua poesia realmente sobressai, pela vitalidade, pela perenidade, pelo que revela, e fala intensamente ao coração. Desde 1956, quando estreou, lançou dezenas de volumes. Foi galardoado com algumas das mais respeitáveis honrarias do mundo das artes, entre eles o Prêmio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana e o Prêmio Miguel de Cervantes 2007. Nem por isso perdeu a simplicidade e a discrição. Como lembra o tradutor e escritor Eric Nepumoceno, que assina a seleção e a versão do primeiro conjunto de textos de Gelman para o português no Brasil (o livro Amor que Serena, Termina?, Globo, 2001, 159 p.), basicamente dois conceitos compreendem a filosofia de vida do autor: obsessão e expressão. Eles se apoiam sobre uma trajetória que foi, a um tempo, íntegra e trágica: sofreu perseguição política no decurso da ditatura argentina, que o forçou ao exílio em 1975; perambulou pelo exterior, até fixar-se no México, onde reside ainda hoje; em solo argentino, filho e nora haviam sumido nos porões dos cárceres; durante anos, à distância, alimentou a esperança de alguma notícia alvissareira, até o dia em que enfim soube do pior. Foram circunstâncias que, à luz da sensibilidade incomum de um grande poeta, conformaram, mais que uma riquíssima obra, um homem de bom caráter e firmes convicções.
Gazeta do Sul 20.03.2009