Ministério Público Federal investiga obras lançadas pela Martin Claret
Guss de Lucca
Além de autor de romances consagrados, o escritor Monteiro Lobato, criador do Sítio do Pica-Pau Amarelo, também se dedicou a traduções de obras estrangeiras para o português, entre elas “O Livro da Jângal”, de Rudyard Kipling, e “O Lobo do Mar”, de Jack London.
Essas duas obras foram lançadas no Brasil pela editora Martin Claret, com traduções atribuídas a Alex Marins e Pietro Nassetti. O Ministério Público Federal investiga denúncia de que ambas seriam, na verdade, de Lobato.
"'O Livro da Jângal' da Martin Claret é idêntico ao do Monteiro Lobato, enquanto 'O Lobo do Mar' tem leves mudanças", explica a autora da denúncia, a tradutora Denise Bottmann. "Mandei a petição e diversas fotocópias para várias livrarias, pedindo que tirassem as publicações de circulação, o que não ocorreu. A questão principal é o desrespeito ao leitor, que mal sabe que está lendo Monteiro Lobato".
Atualmente nas mãos do Ministério Público Federal, a petição - que foi enviada em março de 2009 - passa pela análise da perícia, que deve determinar, até abril, se houve reprodução não-autorizada do trabalho do escritor.
"A prova do crime é a parte difícil deste caso. Existe uma dificuldade técnica em avaliar seus elementos", revela a procuradora Adriana Zawada Melo, responsável pelo inquérito. Ela não descarta a possibilidade de buscar auxílio em universidades para determinar se houve ou não reprodução não autorizada. "Nesse caso, precisaríamos de uma pessoa isenta, desvinculada de certos interesses e objetiva em suas análises", completa.
De acordo com Denise Bottmann, a IBEP/Companhia Editora Nacional, que detém os direitos sobre as traduções, já fez um acordo com a Martin Claret. Porém, os livros continuam em circulação sem ajustes no que diz respeito ao crédito da tradução. "Temo que o objetivo do acordo seja só financeiro, sem se preocupar com o que é oferecido ao leitor", disse Adriana Zawada sobre o acordo extrajudicial.
O principal problema, de acordo com a procuradora, é a falta de um órgão responsável pela fiscalização destas edições. "Essa área tem um limbo na fiscalização. O ideal seria poder auditar o catálogo da editora, mas não temos estrutura para fazer isso."
"A Martin Claret disse que faria os acertos nas próximas edições, mas como a editora raramente informa qual é a edição comercializada, isso nunca ocorreu. O primeiro 'O Livro da Jângal' é de 1998, isso quer dizer que durante doze anos eles estão vendendo a mesma edição?", questiona Denise.
A advogada da editora, Maria Luiza Egea, afirma que o Ministério Público Federal não entrou em contato com a Martin Claret e que ela desconhece a denúncia. Ressalta que todos os títulos do catálogo que foram acusados de erros de tradução estão esclarecidos.
"Se o Ministério Público Federal constatar alguma irregularidade, a editora vai apresentar os seus argumentos. A Martin Claret já contratou experts para avaliar traduções em outros casos e sempre que surgiram problemas, a orientação foi a de suspender as publicações e ressarcir o prejuízo. E quando houve interesse em manter a publicação, a editora refez as traduções dos títulos para não restar nenhuma dúvida", disse.
Se constatadas irregularidades nas traduções das obras, o Ministério Público Federal deve indiciar a editora no artigo 216 da Constituição Federal, que trata da defesa do patrimônio cultural brasileiro. Nesse caso, a pena pode ser de prisão para os envolvidos, retirada dos livros de circulação ou a inclusão de uma errata nas obras
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