sexta-feira, 16 de março de 2012

Para inglês entender

Seth Kugel - IG

Há 15 dias, o secretário geral da Fifa, Jerome Valcke, reclamou – de forma não muito diplomática – que o Brasil estava bem atrasado nos preparativos para a Copa do Mundo. Eu não sei falar se Brasil está realmente tão fora dos prazos para a construção dos estádios e da infraestrutura quanto diz o Sr. Valcke, ou se está no caminho certo, como diz o governo. Mas posso dizer, com certeza, que o Brasil – e mais especificamente a Embratur, agência oficial de promoção e marketing do turismo no País – está bem atrasada em outra coisa: o inglês.


Na semana passada, escrevi sobre o profissionalismo dos representantes da Embratur na feira de turismo New York Times Travel Show. Agora, vem a parte chata: a versão virtual, braziltour.com, é muito ruim. No site, que todo o mundo vê como primeira opção quando busca por “visit Brazil” ou “Brazil tourism” no Google, a informação está apresentada em um inglês tão pobre que em muitos casos nem dá para entender o que se quer dizer. Incluindo a primeira página (home).

Versão em inglês do site de turismo do Brasil (braziltour.com) é de difícil compreensão para estrangeiros

A Embratur obviamente fez um esforço grande, porque o site é bonito e lotado de fatos, informações e vídeos. Posso até dizer que a versão em português é muito legal. Mas é fato que a versão em inglês é a que importa, porque serve não só os cidadãos dos aproximadamente 60 países do mundo onde o inglês é o idioma oficial ou predominante, mas também outros países como Japão, China e Rússia, que não contam com versões nos idiomas deles.

O site existe também em espanhol, francês, italiano e alemão, mas eu não sei avaliá-los. O que posso dizer é que o inglês é péssimo. Não péssimo tipo “Você visitar Brasil. Brasil ser muita bonita.” Isso é errado, mas pelo menos dá para entender.

Vamos para alguns exemplos. As primeiras mensagens que aparecem são:

“Brazil has scheduled its stars to the 2014 World Cup” e depois “Click here and get to know our Cities Selection”.

Li as duas frases pelo menos 20 vezes sem consegui entender nenhuma das duas. Será que o primeiro significa “As estrelas da seleção brasileira vão estar presente na Copa do Mundo”, pensava. Ou talvez “As estrelas do céu estão alinhadas para a Copa ser maravilhosa”?

A segunda parte também foi difícil. “Cities Selection” significa o quê? Deve ter algo a ver com as cidades que vão receber a Copa, mas o quê exatamente? Fiquei perplexo.

O que você entende por: “Brazil has scheduled its stars to the 2014 World Cup”, “Click here and get to know our Cities Selection”?

Para resolver, fui para a versão em português. Ah, “as estrelas” = “os craques”, e os craques, neste caso, são as cidades hospedeiras. Embratur, me permite?

“Brazil has recruited its biggest stars for the 2014 World Cup…”

“Its host cities! Click here to learn all about them.”

O problema é fácil diagnosticar. Já vi em muitos outros sites de empresas brasileiras, sem falar de cardápios em restaurantes e placas nos hotéis. Os que fazem as traduções de português para inglês são brasileiros.

Funciona assim. Para traduzir do inglês para o português, se deve usar brasileiros (ou portugueses, angolanos etc) bilíngues. Para traduzir do português para o inglês, precisa de tradutores bilíngues, que foram criados e educados em inglês. Não quem estudou inglês na faculdade e fez mestrado em Londres. Ou seja, precisa de ingleses, canadenses, norte-americanos, australianos, tanto faz. Podem existir algumas exceções extraordinárias à regra, tradutores brasileiros que conseguem verter profissionalmente para o inglês? Pode. Mas são poucos, caros e claramente não são contratados pela Embratur.

Eu tenho um amigo norte-americano tão fluente em alemão que grandes editoras o contratam para traduzir os best-sellers alemães para o inglês. Já ganhou prêmios por seu trabalho. Mas ele absolutamente se recusa a fazer traduções do inglês para o alemão. Porque sabe que vai ter erros.

(Ah, e claro, eu escrevo esta coluna no meu português imperfeito. Mas não publico nada antes de tê-la revisada e corrigida pela minha editora brasileira. Se quiser ver meu português na versão original, tem que me seguir pelo Twitter no @tuitesdo7.)

Voltando para o site…

O turista que clica sobre “Selection Cities” chega a outra tela. Aparece uma frase: “A cities’ schedule ready to start playing”.

“Humanity Cultural Heritages in Brazil” ou “World Heritage Site”

Tenho mais de três décadas de experiência em ler o inglês, mas ainda assim não consegui decifrar esse contrassenso. Procurei na versão em português: “Uma seleção de cidades pronta para entrar em campo”. Gente, speak serious. Nada a ver. Embratur, tome nota: “A great team of cities, ready to take the field”.

Daí dá para “conhecer” as cidades em fatos, fotos e vídeos. Cada qual com erros que variam de ruins a desastrosos. Um vídeo sobre Natal mostra o que parece ser de uma dança tradicional, com a legenda: “Plentiful cultural demonstration”. Sentido? Nenhum. Parecem palavras escolhidas aleatoriamente e colocadas juntas ao acaso.

Mas os erros mais graves ficam na página principal. Se o visitante potencial rola a tela para baixo, quase todas as outras opções têm erros também. (Uma exceção: “Golf” está traduzido corretamente como “Golf”) Mas tem uma que é imperdoável. A tradução de “Patrimônios Culturais da Humanidade no Brasil” é: “Humanity Cultural Heritages in Brazil”.

Desculpe a repetição, mas não faz sentido nenhum. Para quem não sabe, o status de “Patrimônio da Humanidade” é decidido pela UNESCO, agência da ONU. A Embratur sabe disso. Assim que encontrar a tradução correta é muito fácil. Basta ir à página do Wikipédia em português e dar um click em “English”, na coluna de “outras línguas”, do lado esquerdo. Aparecerá a mesma página do Wikipédia, em inglês. Resultado: “World Heritage Site”. Ou faça uma pesquisa por “UNESCO” no Google.com, em inglês. Saem imediatamente duas opções: “World Heritage” e “World Heritage List”.

Trancoso é um lugar ideal para fugir dos refrigerantes e outras bebidas gasosas da cidade?

Felizmente, alguns erros são mais engraçados do que deprimentes. É só ir na página de Trancoso. A descrição do lugar em português é a seguinte:

“Trancoso é um povoado localizado no sul do Estado da Bahia, é hoje um lugar ideal para fugir da agitação e estresse da cidade.”

E em inglês: “Trancoso is a town on the south region of Bahia. It is now the ideal site to runaway from the effervescence and stress of the city”.

A tradução possui pelo menos cinco erros. Mas é o quinto o mais hilário. Como “agitação” chegou a ser “effervescence”, não sei dizer. “Effervescence”, em inglês, significa “o ato de bolhas de gás escaparem de um líquido”.

Ou seja, Trancoso é um lugar ideal para fugir dos refrigerantes e outras bebidas gasosas da cidade. Notem bem, gringos: se vocês gostam da Coca Zero ou da água com gás, melhor escolher outro destino.

Obviamente, ninguém vai desistir de Trancoso por um erro de vocabulário. Mas desistir de um país porque não tem informação legível em seu site oficial? Com tantos outros países de olho nos bilhões de dólares do turista internacional? Isso não só é possível, é provável

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